Introdução
No Brasil, muitos já reconhecem que a Modelagem da Informação da Construção (BIM) é a expressão atual que melhor traduz a inovação nos setores da Arquitetura, Engenharia, Construção e Operação (AECO).
Na última década, foi possível notar que este cenário tem sido sustentado na esfera federal por ações top-down de disseminação do assunto e elaboração de um BIM Mandate Nacional, ou seja, um instrumento que efetivamente estabeleça diretrizes exigindo BIM como requisito para propiciar benefícios tangíveis e intangíveis à administração pública.
A posição do governo brasileiro como demandante e fomentador da adoção de BIM é essencial para sua difusão e implementação em todo o território. Mas não é somente o Brasil que está seguindo nesse caminho. Esta posição política reflete iniciativas internacionais de países vizinhos do bloco latino-americano, com destaque para o Chile, que hoje traciona a Rede BIM de Governos Latino-americanos; e o horizonte de países cujas estratégias de macro adoção já se encontram em estágios mais maduros, como nos casos de Reino Unido (UK) e Estados Unidos (EUA).
1. O 1º BIM Mandate Nacional: detalhes do Decreto 10.306/2020
O recém-publicado Decreto 10.306/2020 consolida o 1º BIM Mandate Nacional, no qual o Governo Federal estabelece a utilização do BIM na execução direta ou indireta de obras e serviços de engenharia, realizada pelos órgãos e pelas entidades da administração pública federal, no âmbito da Estratégia BIM BR.
Do ponto de vista jurídico, é importante destacar:
Os serviços de arquitetura e engenharia, bem como as obras executadas para o Ministério da Defesa e para o Ministério da Infraestrutura estão obrigados a atender aos requisitos de adoção do BIM;
A execução dos serviços e obras nos imóveis que estão sob jurisdição do Exército, da Marinha e da Força Aérea Brasileira, investimentos em aeroportos regionais, e as realizadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) – para reforço e reabilitação estrutural de obras de arte especiais – estão obrigadas a observarem estritamente os requisitos de adoção do BIM;
Os demais entes da administração pública federal poderão aderir aos requisitos de adoção do BIM, mas não têm a obrigatoriedade de observar os critérios estabelecidos.
A respeito da implementação gradual:
Conforme previsto na Estratégia BIM BR, instituída pelo Decreto 9.983/2019, a utilização do BIM será implementada de forma gradual em três fases de disseminação obrigatória.
- A primeira fase, imediatamente para 1º de janeiro de 2021, contempla a utilização do BIM no desenvolvimento de projetos de arquitetura e engenharia empregados em empreendimentos de grande relevância;
Está previsto que os modelos sejam utilizados para elaboração de projetos e documentação de disciplinas; detecção de interferências físicas e funcionais; coordenação de projetos e extração de quantidades.
- A segunda fase, a partir de 1º de janeiro de 2024, contempla a utilização do BIM na execução direta ou indireta de projetos de arquitetura e engenharia e na gestão de obras empregadas em empreendimentos de grande relevância;
Além dos usos discriminados na primeira fase, também está prevista a utilização dos modelos para orçamentação, planejamento, controle na execução de obras e as-built.
- A terceira fase, a partir de 1º de janeiro de 2028, contempla as utilizações do BIM previstas na primeira e segunda fases, bem como o gerenciamento e a manutenção de empreendimentos de média e grande relevância após a sua construção.
Dessa forma, além dos usos discriminados na primeira e segunda fases, a terceira fase prevê sua utilização na gestão dos ativos públicos.
Como regra geral para compras governamentais, os contratos devem obedecer às formalidades dispostas na Lei de Licitação Pública Federal 8.666/93. Os parâmetros “Objetivos da Contratação” de execução de serviços e obras devem seguir o disposto no Decreto 10.306/2020.
A respeito das regras gerais do instrumento convocatório e do contrato:
Os órgãos e entidades da Administração Pública relacionados no decreto deverão:
- Definir os níveis de detalhamento e de informação de objetos dos modelos BIM requeridos (LOD + LOI);
- Solicitar a entrega da documentação de projeto em formatos proprietário e aberto (Industry Foundation Classes – IFC), tendo em vista assegurar a colaboração e interoperabilidade; e
- Demandar profissionais habilitados e com experiência ou formação em BIM, bem como registrados perante o seu órgão de classe de competência, como condição essencial para a garantia, proteção e conservação dos serviços executados.
Destaca-se que os profissionais contratados deverão observar estritamente o programa de necessidades e diretrizes do projeto de engenharia e arquitetura referencial; uma vez que a inobservância dos parâmetros requeridos obrigará a correção ou retrabalho dos serviços às suas próprias expensas.
Além disso, observa-se uma das questões de maior debate no mercado, especialmente inerente a projetos: os Direitos Autorais. Há a definição neste decreto que, no ato da contratação, os contratados deverão renunciar, em favor da Administração Pública, aos Direitos Autorais sobre os serviços executados.
2. O histórico dos passos regulatórios: como tudo começou?
Os primeiros passos regulatórios no Brasil, em nível federal, consistiram em iniciativas de levantamento do estado-da-arte e benchmarking. Essas iniciativas ocorreram por meio do projeto MDIC/EU que data de 2015 e inclui o estudo Diálogos Setoriais para BIM – BIM no Brasil e na União Europeia; bem como da assinatura do Memorando de Entendimento (MOU), em 2016, entre Brasil e UK, tendo em vista entre os governos o alinhamento das estratégias nacionais para o BIM.
a. Junho/2017: CE-BIM 2017
O Governo Federal instituiu o Comitê Estratégico de Implementação do BIM, responsável pela formulação da Estratégia BIM BR para “alinhar as ações e iniciativas do setor público e do privado, impulsionar a utilização do BIM no país, promover as mudanças necessárias e garantir um ambiente adequado para seu uso”. O CE-BIM foi composto por representantes de sete órgãos públicos, conforme discriminado aqui. Nesse contexto, também foi instituído o Grupo de Apoio Técnico (GAT-BIM) e criados seis grupos ad-hoc de temas específicos.
b. Maio/2018: Decreto CG-BIM 9.377/2018
O Governo Federal dispôs e instituiu o Comitê Gestor (CG-BIM) da Estratégia BIM BR, para “implementar a Estratégia e gerenciar suas ações e desempenho, monitorando o seu progresso, verificando o cumprimento das metas e, caso necessário, promovendo iniciativas de correção ou aprimoramento”. O CG-BIM foi composto por representantes de nove órgãos públicos, conforme discriminado aqui, e a partir dele, designados os membros do Grupo Técnico (GTEC-BIM).
A Estratégia foi sistematizada em finalidade, objetivos, ações, indicadores e metas; alocadas em um Roadmap o qual destacou-se o escalonamento da adoção e produtos de importância ímpar, como a Plataforma e a Biblioteca Nacional BIM.
Nesse âmbito, foram definidos projetos piloto para o Programa de Aviação Regional (SAC), Programa de Revitalização de Obras de Arte Especiais (DNIT), e ações executadas nos imóveis jurisdicionados ao Exército, Marinha e Força Aérea Brasileira.
De acordo com a cartilha publicada, e diante da garantia da institucionalidade do tema, o Governo Federal espera os seguintes resultados por meio da macro adoção do BIM:
- Assegurar ganhos de produtividade e estimular a redução de custos ao setor da construção civil;
- Contribuir com a melhoria da transparência nos processos licitatórios;
- Aumentar a precisão no planejamento e proporcionar ganhos de qualidade e redução de prazos das obras públicas;
- Reduzir a necessidade de aditivos contratuais;
- Elevar o nível de qualificação profissional na atividade produtiva.
c. Agosto/2019: Decreto CG-BIM 9.983/2019
O Governo Federal revogou o Decreto 9.377/2018 e instituiu novo CG-BIM da Estratégia BIM BR, devido às mudanças dos Ministérios e atribuição de novos membros e responsabilidades. As alterações estão discriminadas no próprio Decreto 9.983/2019, disponível aqui. A Estratégia BIM BR anteriormente definida foi preservada em meio a este contexto de transição.
3. Considerações Finais: e os desdobramentos na Administração Pública e no mercado?
Desde as primeiras iniciativas de levantamento do estado-da-arte e benchmarking, que subsidiaram a formação do plano de promoção de um ambiente adequado ao investimento em BIM e sua disseminação no Brasil, até a materialização efetiva das bases de sua aplicação nos contratos com a Administração Pública, levou-se pouco mais de 05 anos até a publicação do 1º Mandate Nacional, em abril deste ano.
Em meio a este período, observamos a importância dos Programas Pilotos definidos em 2018 e a maturidade atingida pelos órgãos relacionados ao recorte do decreto, antes da publicação da obrigatoriedade das contratações públicas. A priorização de usos do modelo por fase, a demanda por definir-se níveis de desenvolvimento de objetos de cada disciplina a ser elaborada, e a cobrança por entregáveis em formato proprietário e aberto refletem repertório e análise de causa e efeito.
O Mandate estabelece uma nova etapa na Administração Pública, que deverá atualizar seu parque tecnológico, organizar-se e capacitar-se internamente para que todo o corpo técnico dos órgãos esteja apto a receber, validar e usufruir dos entregáveis em BIM estabelecidos;
O Mandate, ainda que definido um recorte, impulsiona um amplo ecossistema, não somente de órgãos públicos relacionados ao Ministério da Defesa e ao Ministério da Infraestrutura, como também de prestadores de serviços e fornecedores do setor privado que deverão se adequar às diretrizes;
Ambos os desdobramentos sinalizam a grande necessidade de qualificação e experiência profissional em BIM nas esferas pública e privada, ratificada pela exigência em contratos;
Acreditamos que o Mandate se consolida como um marco nacional que valida os esforços de entidades das demais esferas da administração pública, que já haviam iniciado a publicação de Termos de Referência solicitando BIM como requisito. Ainda, reforça ações tangenciais de Normalização promovidas pela ABNT ou disseminação propiciadas pela CBIC, SENAI e outras associações;
Por fim, e mais relevante, entendemos que o Mandate é representativo e deve estimular ainda mais a adoção de BIM no setor privado, uma vez que o Governo Federal institucionaliza seus benefícios e incentiva o aumento de produtividade e qualidade da própria indústria.
Acknowledgements
Este artigo foi originalmente escrito e publicado por Fernanda Machado, Camilo Barros e Joyce Delatorre.